Pesca no Paraopeba e Três Marias: seminário é marco dos dois anos e meio do rompimento da barragem de Brumadinho
Publicado em: 2 de agosto de 2021
Um momento para se lembrar da vida antes da tragédia. Um encontro de pessoas que vivenciaram o cotidiano de um rio que alimentou sonhos e esperanças de muitas famílias. Uma tarde para troca de conhecimentos e uma tentativa de encontrar soluções para as consequências de um crime. Esse foi o resultado do seminário “2 anos e meio do rompimento: a atividade pesqueira na bacia do rio Paraopeba e represa de Três Marias”, realizado pela Coordenação e Acompanhamento Metodológico e Finalístico (CAMF), do Projeto Paraopeba / PUC Minas, juntamente com as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs): Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy.
O evento foi realizado por meio do canal “Águas do Paraopeba e Três Marias”, no YouTube, na tarde do último sábado, 31 de julho, próximo ao dia 25, data dos dois anos e meio do rompimento da barragem da Vale S.A., Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho – MG. Desta vez o foco foram os pescadores e representantes da cadeia produtiva da pesca, como o comércio e extração de iscas de minhocuçu, presentes nos municípios de Caetanópolis, Paraopeba e Curvelo, na Região Central do Estado (Região 3), acompanhada pela ATI – Nacab.
São pessoas que vivem próximas ao Rio Paraopeba e da represa de Três Marias, sendo que muitas delas, na medida do possível, foram obrigadas a encontrar outro meio de vida para garantir o sustento. A lama de rejeitos da barragem deixou a pesca inviável e proibida em todo o Rio Paraopeba, sendo que parte da bacia desagua na represa de Três Marias. Neste local, porém, a pesca ainda é permitida, no entanto carrega o estigma da possibilidade de contaminação dos peixes.
A pescadora Ediceia Lourenço de Oliveira, do município de Morada Nova de Minas – MG, também na Região Central e próximo a Três Marias, relatou as dificuldades que vêm enfrentando com a fonte de renda comprometida.
“Sou filha de pescadores e sou pescadora profissional. Tenho meu filho que é peixeiro e vende os peixes para mim. Mas hoje não sei direito o que fazer. O preço caiu muito porque as pessoas têm medo levar o peixe. Sou analfabeta, não escondo isso, e não sei fazer outra coisa da vida”, disse.
A participação de Ediceia no seminário ilustra a dimensão do impacto pelo rompimento. Morada Nova de Minas, um dos principais polos de cultivo da Tilápia no estado, além de outros pescados, integra a Região 5, território que é assistido pelos técnicos do Instituto Guaicuy e está distante cerca de 300 km de Brumadinho, Região 1 acompanhada pelos técnicos da Aedas e local inicial da tragédia.
Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG e técnico do Instituto Guaicuy, Marcus Polignano, a contaminação vai além do minério de ferro, sendo que outros metais pesados podem ser encontrados no fundo do rio.
“Quando a Vale diz ‘é só minério de ferro’ é uma mentira. Se fosse assim, a gente teria problema, mas não seria tanto problema assim. Junto da barragem você tem ali Manganês, Mercúrio, enfim, é o que a gente chama de metal pesado. O peixe precisa de uma cadeia de alimentação e normalmente esses alimentos dos peixes são pequenos micro-organismos presentes nos rios e que são chamados de Bentos. Esses metais podem, gradativamente, se acumular nesses bentos, e os peixes acabam ingerindo esse metal pesado. Ao consumir, portanto, esses peixes, o ser humano também vai acumular esses metais. E é difícil avaliar se a quantidade de metal presente no organismo do peixe é suficiente para causar danos à saúde humana”, explicou.
Programa de Transferência de Renda
Os pescadores, de certa forma, não recebem o Auxílio Emergencial pago pela Mineradora Vale. Segundo Rangel Santos, coordenador da Assessoria de Meio Físico e Biótico do Projeto Paraopeba / CAMF, “as pessoas atingidas que recebem o benefício, independentemente da atividade econômica exercida, são aquelas que, no entendimento da mineradora, estão geograficamente localizadas próximas às áreas do rio afetadas pelo rompimento, identificadas, apenas, como moradores locais da poligonal impactada. Não foi considerado as especificidades dos impactos sobre as cadeias produtivas de importância local, como é o caso da pesca.”
A esperança de alento para quem depende (ou dependia) da pesca está no Programa de Transferência de Renda, ainda em fase de elaboração pelas Instituições de Justiça (Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública de Minas Gerais), e que deverá abrir espaço para inscrição dos futuros beneficiários.
A íntegra da gravação do seminário está disponível no YouTube.